terça-feira, 3 de julho de 2007

NOVOS PRESSUPOSTOS ÉTICOS NA CONSERVAÇÃO DE ARTE CONTEMPORÂNEA

Um dado, quanto a nós, inquestionável relativamente à Arte é que ela é sempre um reflexo do homem do seu tempo mas, para ficar na História, não basta ser aquele que fez melhor em determinada altura, mas o que abriu mais portas para o futuro, ou seja, aquele sem o qual a história não teria acontecido assim. Para essa percepção a posteriori (condição inerente à própria arte), uma questão se torna fundamental, a da Conservação, também quando se fala em Arte Contemporânea. A arte contemporânea tem como característica o questionamento do tempo e do espaço numa atitude conceptual de desmaterialização da arte, para além da grande virtude de, paradoxalmente, ter descoberto o valor da matéria e de novas formas de expressão. A divisão da arte segundo materiais e técnicas já não é válida porque é lícita a utilização de todo o tipo de materiais e de suportes e, consequentemente, de diferentes modos de produção o que torna a obra de arte ainda mais vulnerável à passagem do tempo. Porque a arte ganhou um novo significado e também uma nova forma, quando se fala em conservação de arte contemporânea, a maior parte das vezes, não se pode aplicar o raciocínio preconizado nos clássicos documentos normativos de Conservação e Restauro “Carta de Atenas” e “Teoria da Conservação" de Cesari Brandi, pois surgiram novos problemas no que toca à sua preservação. E, se durante muito tempo, a área da conservação se “limitava” a identificar e respeitar a técnica utilizada dentro de limites éticos bem definidos, actualmente esta questão levanta, para além deste, toda uma série de questões que muitas vezes ficam sem resposta.

Prevendo esta situação, em 1939, o artista holandês Rueter enviou um questionário aos seus colegas pedindo-lhes instruções para a manutenção das suas pinturas. A partir daí começaram a surgir vários projectos de colaboração interdisciplinar para a conservação da arte contemporânea, tendo sempre subjacente a importância crescente da documentação das intenções do artista e o papel fundamental dos profissionais dos museus na execução e conservação dos trabalhos. Em 2002, Carol Mancusi-Ungaro, directora do Centro de Estudos Técnicos sobre Arte Moderna do Museu de Arte da Universidade de Harvard, propõe um Projecto Global de Documentação Artística para compilar a informação fornecida pelos artistas modernos, com vista a preservar convenientemente as suas obras no futuro, no pressuposto de que a arte muda ao longo do tempo e que contrariar este processo pode contradizer a intenção do artista.

A intenção do artista passa, portanto, a ser a palavra-chave, nesta matéria, seja em se tratando de arte abstracta, arte perecível, arte efémera, instalações, obras multi-média, etc., etc. Para evitar erros de interpretação, a comunicação directa entre os museus e coleccionadores e os artistas, torna-se indispensável, pois se os seus conservadores se mantiverem na ignorância acerca da constituição formal da obra e dos motivos filosóficos do artista, correm o risco de causar danos irreparáveis. Veja-se o caso dos trabalhos de Dieter Roth, por exemplo, realizados com materiais perecíveis. Desde logo se impõe perguntar qual o objectivo do artista ao escolhê-los, e que não é nada mais, nada menos que explorar a visibilidade da passagem do tempo. E outros artistas há, muito embora sejam raros, que para manterem a integridade da sua obra, pura e simplesmente proíbem qualquer tipo de intervenção, como é o caso de Sonja Alhaeuser (as suas esculturas realizadas com materiais comestíveis que desaparecem à medida que o público as come, levam-nos a questionar o paradigma da imortalidade da obra de arte e da sua função no museu).

No entanto, é o mercado que rege o preço das obras de arte impulsionando, ou não, os preços e para os artistas e proprietários o estado de conservação da obra é fundamental o que obriga a encontrar as melhores condições de conservação preventiva. Impõe-se, portanto, encontrar um compromisso entre a vontade do artista e a necessidade do museu, ou do coleccionador, de não deixar que a obra vá perdendo as características que inicialmente lhe conferiram o estatuto de obra de arte.

Porque a arte contemporânea ainda não passou o teste do tempo, lança um novo desafio à forma de trabalho tradicional dos museus não só ao nível da selecção da categoria das obras a adquirir e da sua exposição, como também ao nível da sua conservação. Mas a verdade é que, à semelhança do que se passa com a sociedade, toda a arte muda e torna-se imperativo aceitar a passagem do tempo com as suas naturais consequências às quais, nem mesmo esta, lhe consegue ser imune. Como podemos e devemos, proteger as manifestações artísticas da nossa cultura visual contemporânea para que possam ser apreciadas pelas gerações vindouras?

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